Dentre inúmeras motivações macro econômicas que já estavam impondo medo no mercado volátil, fazendo os grandes investidores migrarem para ativos de menor risco, o setor dos criptoativos não ficou alheio ao receios, ainda mais quando da notícia da falência da segunda maior Exchange de criptoativos do mundo (FTX), que aterrorizou parte dos possuidores de ativos digitais; não só aqueles que utilizavam da corretora como custodiadora de seus ativos digitais, mas o mercado cripto, que viu um volume enorme de carteiras liquidar suas posições como forma de preservar parte do preço.
O movimento dos investidores – como era de se esperar em tais circunstâncias – fez com que os preços de todos os ativos despencassem abaixo das mínimas históricas dos últimos 2 (dois) anos, reflexo incomum quando há investidores (holders) de longo prazo, que acreditam não só na valorização do ativo virtual como investimento, mas que investem pelos fundamentos de criação de cada projeto. Isso, sem dizer que estamos há menos de 1 (um) ano do atingimento das máximas históricas dos principais ativos, como BTC e ETH.
O Congresso brasileiro percebeu a importância das movimentações e, quiçá como resposta, acelerou a tramitação do texto do Projeto de Lei de Criptomoedas (PL 4.401/21), que já tramitava, desde seu texto original, há sete anos, ainda que tenha sido apenas ao fim de 2021, quando o mercado foi capaz de movimentar 300 bilhões – apenas considerando o mercado formal via Corretoras – que o projeto voltou a ganhar destaque no Senado, que aprovou o texto substitutivo e encaminhou para nova votação da Câmara dos Deputados).
Foi, portanto, sob panorama macroeconômico instável e, ainda, com a falência da segunda maior Exchange do planeta, que a Câmara dos Deputados apertou o passo para votação do texto substitutivo, aprovando-o, ao fim, em plenário do dia 28/11/2022, com algumas rejeições do texto substituído, remetendo o texto final para sanção presidencial em 30/11/2022.
Conforme previmos em setembro do corrente ano, o projeto aprovado (que ainda aguarda sanção presidencial) visa principalmente regulamentar as operações das Exchanges trazendo mais transparência às operações empresariais de alienação de ativos digitais, de modo a permitir maior fiscalização nas negociações dos ativos, que até então ficavam às margens dos olhares dos Estado.
Mas, agora, se o texto aprovado for sancionado, quais serão os impactos nas Corretoras, Investidores e no Estado?
Aqueles investidores de ativos virtuais mais céticos, ideologicamente mais ligados ao ideal de liberdade absoluta e anonimato que tais ativos proporcionavam – aqui não se inclua aqueles com interesses ilícitos – passarão a sentir maior fiscalização quando negociar com qualquer administradora e/ou intermediadora de ativos digitais, vez que a nova Lei, está estritamente vinculada a proporcionar ao Estado maior fiscalização nas transações realizadas por Exchanges, ainda que, como já dito em outras oportunidades, os investidores já estão tributariamente regulamentados desde o advento da IN 1.888/2019 editado pela Receita Federal do Brasil.
Os artigos aprovados indicam que haverá um Órgão Regulador, qual será indicado por ato do Poder Executivo, que atribuirá a disciplina do funcionamento e a supervisão da prestadora de serviços de ativos virtuais (PL, art. 6 o ).
Mesmo não constando expressamente no texto do PL aprovado e, ainda, mesmo os ativos digitais não estando tecnicamente inseridos nos aspectos conceituais de valores mobiliários e derivados, não é de se surpreender que a atribuição do Órgão Regulador siga o mesmo caminho do mercado internacional, como no caso dos EUA, que têm atribuído tal encargo ao Securities and Exchange Commission (SEC, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA), de modo que, ao que parece, a incumbência regulatória no Brasil ficará a cargo e controle, preponderantemente, do Banco Central, e secundariamente, e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), prestando eficácia aos termos do artigo 7 o do PL. Artigo no qual basicamente trouxe a regulação e autonomia para a Entidade e/ou Órgão da Administração Pública Federal, que ainda será indicada, para ser quem editará as normas específicas com poderes de: a) autorizar funcionamento das prestadoras de serviços digitais; b) estabelecer as condições para o exercício de cargos em órgãos estatutários e contratuais; c) supervisionar as prestadoras; e, ainda, d) cancelar, de ofício ou a pedido, as autorizações; e) definir as hipóteses que poderão provocar o cancelamento.
Não por menos, nos bastidores da Câmara já se fala do Banco Central para tal incumbência, havendo, ainda, indicativos de atuação conjunta com a CVM. Todavia, nota-se, desde logo, possíveis problemas que podem surgir, notadamente em razão da novidade que os criptoativos representam.
Por exemplo, quanto à conceituação dos criptoativos para fins de regulação, a CVM, em parecer publicado em 11/10/2022 (Parecer n. 40), consignou que a “Autarquia está atenta ao mercado marginal de criptoativos que sejam valores mobiliários e adotará todas as medidas legais cabíveis para a prevenção e punição de eventuais violações às leis e regulamentos do mercado de valores mobiliários brasileiro, incluindo a emissão de alertas de suspensão (‘Stop Orders’)". Por outro lado, no projeto final aprovado, a Câmara dos Deputados optou por consignar expressamente que criptoativos não são e não devem ser enquadrados como valores mobiliários – rejeitando, inclusive, supressão de texto proposta pelo Senado que ainda permitia parcial interpretação no sentido disposto pela CVM.
Ou seja, mesmo que haja indícios de que o BACEN e a CVM atuarão como Órgãos Reguladores, diversas incertezas permanecem; diversos questionamentos poderão surgir. Soma-se a essas incertezas o fato de que o Congresso retirou do texto final a proposta do Senado em postergar a vigência das regras da lei até que sobreviesse norma regulamentadora especifica editada pelo Órgão Regulador que será ainda indicado. O acréscimo intentado pelo Senado era o parágrafo único no art. 9 o , que tinha a pretensão de que: “as prestadoras de serviços [...] que estiverem em atividade [...] poderão continuar a exercê-la enquanto não proferida decisão final acerca do processo de autorização”, ou seja, o texto nada mais se referenciava ao aspecto do ato do Poder Executivo em indicar o Órgão Regulador após o início de vigência da nova lei, o que não se manteve no texto aprovado em 28/11/2022, fazendo com que as Exchanges não tenham mais esta “autorização” de funcionamento enquanto não existisse o Órgão Regulador.
Portanto, devem se alertar as Exchanges em funcionamento, bem como aquelas que estavam em curso de estabelecer suas operações antes da regulamentação, que não haverá mais o prazo relativamente adicional para adequações até que se indique o Órgão. Salvo se acaso sobrevenha disposição em sentido contrário futuramente, o prazo não será inferior a 6 (seis) meses para adequações, de modo que as empresas que pretendam manter suas operações regulares, precisam desde logo identificar as regras cuja adaptação possa levar mais tempo do que consta no prazo estabelecido por este artigo.
Outro aspecto de rejeição pela Câmara de texto substituído pelo Senado, ou seja, parte que não estará no texto final do PL, que gerou severas críticas no meio cripto, é a retirada da obrigatoriedade das Exchanges em controlar e manter de forma segregada os recursos aportados pelos clientes.
Isto é, sendo as Exchanges de ativos digitais intermediadoras de ativos com capacidade econômica, assim como funcionam – por analogia – as corretoras de ativos financeiros comuns, a massiva maioria é remunerada mediante taxas destas intermediações e transações. Mas, diferentemente das corretoras convencionais, o que a maior parte dos investidores que não estão habituados com este mercado não sabe, é que, quando há intermediação de ativos pelas Exchanges de criptoativos, os clientes em verdade não detêm tecnologicamente a propriedade dos ativos digitais adquiridos nestas modalidades. Isso, porque as Corretoras detêm a total propriedade e posse dos ativos, entregando ao seus clientes apenas um título representativo dos ativos, mas não permitindo que – sem intermediação da corretora – o cliente possa fazer uso, negociar, ou meramente transferir a terceiro.
Também é diferente a fungibilidade do dinheiro aplicado. Os criptoativos detém suas peculiaridades, não só sob o aspecto de terem distintas tecnologias a depender da espécie de ativo digital (criptomoeda, NTF, stablecoin entre outros), mas, também vez que alguns são únicos, impossíveis de substituição ou, até mesmo, recuperação, se acaso tenha ocorrido indevida transferências para conta de terceiros (de modo que, em alguns casos, a compensação só se daria por conversão em perdas e danos).
Dessas peculiaridades que nasceram as críticas da retirada da proposta do inciso II do art. 4 o e do artigo 13 do substitutivo que tinham por intenção, à luz dos ditames do Código de defesa do Consumidor, impor a obrigação de segregação dos ativos virtuais dos recursos provenientes dos clientes e de patrimônio próprio, além de também dispor que os ativos que eventualmente estivessem sob custódia da Exchanges não responderiam, direta ou indiretamente, por nenhuma obrigação das pessoas jurídicas custodiadoras, devendo, em caso de falência, ser restituídos aos seus proprietários originais (guardadas as peculiaridades deste ativos digital).
A retirada desses artigos alarmou parte dos investidores, que vêm denominando a lei como “Lei FTX”, haja vista que, em que pese aprovada próxima à falência desta e dos prejuízos que esta causou aos investidores, parece ter prestado mais proteção às Exchanges do que aos investidores. Aqueles que criticam a retirada do artigo 13 proposto pelo Senado lembram que o próprio fundador da empresa (Sam Bankman-Fried) em recente entrevista dada ao The New York Times no mesmo dia da aprovação do PL (30/11) admitiu que não sabe dizer para onde foram transferidos milhões e milhões de dólares de clientes da FTX.
Em que pese haja pontos delicados, outros elementos agradaram os investidores. Notadamente, foi elogiada a alteração trazida na esfera penal. O Projeto de Lei incluiu o artigo 171-A no Código Penal, ampliando o tipo penal estelionato para tipificar como crime ““fraude em prestações de serviços de ativos digitais, valores mobiliários ou ativos financeiros”, demonstrando o interesse em frear o aparecimento de empresas que se diziam “Exchanges”, mas, em verdade, tratavam-se de verdadeiras pirâmides financeiras. Uma resposta positiva às diversas notícias nas mídias de empresas que se diziam inovadoras no mercado de investimentos de alta rentabilidades, mas que compravam criptoativos com a arrecadação de suas vítimas e, aproveitando-se da impossibilidade de rastreabilidade destes ativos, simplesmente pulverizaram-os em gastos de luxos e escondiam seus ativos em carteira digitais chamas coldwallets, ou seja, aquelas que não detém ligação com a internet, mas são capazes de desbloquear os cripto ativos da blockchain, ainda dotada de elevado valor econômico, o que dificulta de sobremaneira a atuação do poder público.
Dentre aplausos e críticas, fato é que o Projeto de Lei de Criptomoedas (PL 4.401/21) está a um passo de entrar em vigência, considerando que só resta a sanção presidencial. Uma vez ocorrendo esta, a Lei vigorará em 180 dias, o que faz com que, muito provavelmente, a regulação brasileira caminhará para tratamento destes ativos como se valores mobiliários fossem, ainda que o próprio texto assim o negue, de modo que brevemente poderemos estar diante do início do termo de seis meses que o PL se referencial para que as Exchanges, vez que o mercado internacional e Congresso já nos dá indicativos que quem serão os Órgãos Reguladores, fazendo com que quem tenha intenção em manter suas atuais operações no mercado, até então não regulado, se adequem à nova lei, fazendo com que os empresários que operam neste mercado já devam estar atentos às novas exigências
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