Os procedimentos de recuperações tem início por vezes traumático, mas sempre por objetivo uma situação melhor do que aquela que se anunciava.
Mas para que essa situação melhor seja viabilizada, é necessário atenção, e mais importante, é essencial evitar que erros de estratégia processual impliquem em possíveis erros contábeis e, mais relevante, erros que custem o processamento da recuperação judicial, ou mesmo a viabilidade de incluir possíveis dívidas judiciais para negociação no procedimento.
É comum que empresas devedoras promovam, desavisadas, a contabilização de possíveis dívidas judiciais ainda incertas e ilíquidas, como verdadeiro passivo, ou seja, como parte do quadro geral de credores. Isso porém é um erro fatal. E pode ser interpretado, por vezes, como um ato ilegal, não sendo incomum que credores denunciem tal prática como uma forma de fraude, para manipulação da AGC.
Isto se dá pois uma demanda judicial não julgada é, como indicado, incerta e ilíquida. Não se tem certeza definitiva sobre a condenação, tampouco sobre o valor desta. Ou seja, o que se tem propriamente neste caso é risco, mas não passivo. Nesse sentido é importante avaliar a normativa contábil, que determina que a existência das ações judiciais qualifica tão somente um passivo contingente. Isto é, um passivo não reconhecido nas demonstrações financeiras, à medida que depende de evento futuro incerto alheio ao controle da empresa (no caso, a procedência da ação judicial), conforme a CPC 25, fincando afeto às notas explicativas.
É importante aqui diferenciar esse passivo contingente das provisões. Estas devem ser contabilizadas, e para sua classificação, de modo determinante, que seja provável a saída de recursos para liquidar a obrigação. É este exame de probabilidade que diferencia a natureza das notações, sendo o passivo contingente algo possível, mas não provável.
As ações judiciais como regra, encontram-se tradicionalmente dispostas no passivo contingente e não nas provisões, não havendo exigência de que haja o provisionamento. Cumpre ao plano de recuperação judicial apresentar tão somente a relação de ações judiciais, com as estimativas dos respectivos valores demandados, a fim de corretamente calcular os eventuais impactos desse passivo contingente.
A eventual contabilização como efetivo passivo, mediante anotação no balanço financeiro implica na distorção dos dados financeiros, sendo, porém, equívoco bastante comum, principalmente nas Recuperandas com elevado risco judicial, à medida que estas querem garantir que estas dívidas eventuais não fiquem de fora da negociação da recuperação judicial, implicando assim em possível dano à empresa.
Acontece que, não é pelo fato de que o devedor não contabiliza aquele passivo eventual como passivo efetivo, que aqueles valores serão, uma vez liquidados, crédito extraconcursal.
Isto pois para se é concursal ou não, conforme o Tema 1.051 do STJ, o que se precisa considerar é a data do fato gerador, e não pela data do trânsito em julgado deste.
Mas se é tão importante que estas possíveis dívidas entrem na recuperação judicial, e seus possíveis credores tenham direito e voz na recuperação, então qual a forma correta de se proceder?
A resposta é a reserva de crédito. Ela está no art. 6º, §§1º e 3º:
§ 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida.
§ 2º É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8º desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.
§ 3º O juiz competente para as ações referidas nos §§ 1º e 2º deste artigo poderá determinar a reserva da importância que estimar devida na recuperação judicial ou na falência, e, uma vez reconhecido líquido o direito, será o crédito incluído na classe própria.
Esse artigo estabelece a possibilidade de o credor requerer a habilitação de crédito ilíquido, mediante decisão do juízo competente para o tramite da ação principal (não-falimentar). A partir desta decisão, assegura-se ao possível credor a participação e oitiva na sua respectiva classe.
É interessante nesse sentido avaliar o REsp 1.613.074/RJ, julgado em maio de 2023, no qual a 3ª Turma do STJ, mantendo a decisão monocrática do Min. Moura Ribeiro por unanimidade de votos, reformou decisão do TJRJ para fins de “reconduzir a sujeição dos créditos perseguidos aos efeitos da recuperação judicial, condicionada a liquidação em juízo arbitral”, afastando a extraconcursalidade do passivo.
No caso concreto discutiu-se a possibilidade de sujeição de passivo ilíquido, que passava pela fase de liquidação de sentença, ao plano recuperacional, havendo fixado o juízo de primeiro grau que tais valores não são afetos à RJ “até que sejam liquidados os créditos em sede Arbitral, ou até que os impugnantes diligenciem para a obtenção de Reserva de Crédito”, reestabelecida pelo STJ para fins de manter sua concursalidade, condicionando a capacidade de voto em assembleia ao procedimento do art. 6º, §3º.
Dessa forma o que se pode extrair é que praticar os atos adequados é essencial tanto ao devedor quanto ao credor. O devedor à medida que, contabilizando erroneamente, pode colocar em xeque a posição da própria recuperação judicial. O credor à medida que, para que tenha voz ativa na Assembleia Geral de Credores, precisa seguir o procedimento adequado, e pedir ao juízo correto.
© Todos os direitos reservados